quinta-feira, 27 de março de 2008

Artigo: Só a Educação Traz a Paz


Só a educação traz a paz
Cristovam Buarque
Toda vez que um crime bárbaro é cometido, a sociedade se movimenta em torno de temas como a pena de morte, a prisão perpétua, a redução da idade penal. E toda vez, surge um movimento contrário, em nome da defesa dos Direitos Humanos. Esse debate está equivocado, pois não se orienta por valores éticos, nem tampouco observa a realidade concreta.
A redução da idade penal e a pena de morte não reduzem a violência. Nossa sociedade chegou a um ponto em que os criminosos não dão valor à própria vida, nem à própria liberdade. Não deixarão de cometer barbaridades por causa do risco de serem presos mais cedo, ou por mais tempo, ou condenados à morte.
A única solução possível é combater a fábrica de violência que se esconde no nosso modelo social e econômico. Reduzir a brutal desigualdade que divide nossa população entre incluídos e excluídos, separados por um sistema de apartação. Substituir o debate em torno da idade penal e da pena de morte pela necessidade de revolucionar nossa estrutura social.
Chega de procurar soluções simplistas, que nada mudam. De achar que basta punir os bandidos, como se outros não viessem substituí-los, como se o problema fosse a violência em si, e não o que a está causando. De pouco adiantará prender os criminosos, se não pusermos um fim à fábrica de violência que é a sociedade brasileira. Basta de buscar por justiça depois dos crimes cometidos, precisamos da paz que evita a violência.
Se a justiça se faz com cadeia e policiais, a paz se faz com escola, igualdade de oportunidades e emprego. Estudos recentes mostram que a probabilidade de que um preso brasileiro tenha vindo de uma família pobre é o dobro do que para o resto da população. Não porque seja pobre, mas porque não teve chances na vida. Pessoas com menos de seis anos de estudo têm duas vezes mais chances de estarem presas do que pessoas educadas. Não pela falta de estudo, mas pela falta de oportunidades decorrente da falta de estudo. Isso nos leva a uma única conclusão possível: a de que a desigualdade social e a falta de escolaridade são as principais causas da violência. Por isso, só haverá paz com mais educação.
A defesa da pena de morte e da redução da idade penal sensibiliza a sociedade. Mas o que está por trás da defesa dessas medidas é uma lógica puramente eleitoral e enganadora, que esconde os verdadeiros problemas, para não enfrentá-los. O real enfrentamento do problema não pode se restringir a manifestações de indignação e espanto. Deve ter a clareza de que o problema da violência precisa da repressão nas ruas, mas também, e acima de tudo, de uma revolução.
Essa revolução não está em reduzir idade para se entrar na prisão, e no tempo máximo de permanência lá, mas sim na redução da idade de ingresso e no aumento da permanência numa escola de qualidade: entrar aos quatro anos e sair aos 18. Em uma sociedade em que crianças entram na escola aos sete e saem aos 11, reduzir a maioridade penal é uma solução de avestruz, de quem não quer enfrentar o problema. Nossas crianças e adolescentes merecem a oportunidade de dizer não ao crime e sim às atividades escolares, esportivas, culturais, num ambiente seguro e sadio. Merecem desenvolver suas aptidões, para um dia poderem construir uma verdadeira Nação.
Precisamos parar de comemorar a matrícula de 95% das crianças sem nos perguntarmos onde estão os outros 5%, quando somente um terço dos matriculados concluem o ensino médio. Parar de chamar de escola as construções degradadas onde depositamos nossas crianças por poucas horas ao dia.
Precisamos enfrentar a verdadeira causa de tanta violência: a indiferença, que impede a garantia de oportunidades iguais para todos. Precisamos parar de fingir que o Brasil não precisa de uma revolução, ou de fugir dela, adotando pequenos paliativos. Para prender menos, precisamos educar mais.
Falamos muito em grandes números, mas não vemos o nome de cada criança que está compondo as estatísticas. Pois se viermos a fazer isso, precisaremos também tratar não somente da quantidade, mas também da qualidade. Educação sem qualidade não vale. Precisa ter qualidade. Atender todas as crianças e com qualidade.
Qualidade em educação significa proporcionar à criança todas as condições para que se transforme em cidadão e cidadã com capacidade para tomar decisões, boas decisões, em favor de toda a sociedade, e capacidade para sobreviver em um mundo que exige qualificação. Para isso, precisará aprender a ler, escrever, compreender o mundo a partir de ferramentas científicas e linguagens lógicas, como as matemáticas, dominar os instrumentos computacionais e saber se comunicar com pessoas em outros países.
Precisamos parar de discutir os problemas do Brasil olhando somente para trás. Para mudar o Brasil, mudar mesmo, é essencial compreender o passado e ver nele os motivos que levaram à construção de uma sociedade tão desigual e desumana. Planejar o futuro com o nítido propósito de mudar, de transformar.
Ficar com o olho no retrovisor nos fará achar que não é possível mudar. É, sim, possível. Vários países saíram, no século passado, de níveis de renda, pobreza e educação semelhantes aos do Brasil de hoje, e em poucas décadas passaram a figuram entre os mais desenvolvidos. Irlanda, Finlândia, Dinamarca, Suécia, Espanha são exemplos próximos, sem mencionar os tigres asiáticos.
O fortalecimento da democracia nesses países proporcionou as condições institucionais para que suas sociedades passassem da miséria para a convivência com os países mais desenvolvidos e felizes. O desenvolvimento e a felicidade desses povos vieram em conseqüência de escolhas acertadas e da manutenção de prioridades por longos períodos.
É importante citar esses países, pois entre as escolhas que fizeram, figura como a principal prioridade a educação. Os investimentos foram feitos não em armamentos ou no luxo de suas elites, mas canalizados para a educação. Eles se tornaram sociedades que aproveitam a globalização e a informatização, e tiram desses processos grande proveito. Tudo isso porque investiram em educação.
O Brasil ficou para trás. Dois estudos recentes nos mostram a catástrofe da educação no Brasil. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra que 49% dos idosos brasileiros – pessoas com 60 anos de idade ou mais – são analfabetos funcionais. E o mais novo indicador de qualidade da educação brasileira, o IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, divulgado pelo MEC, aponta números dramáticos. Apenas dez dos 5.560 municípios brasileiros têm alunos da rede municipal de 1ª a 4ª série capazes de alcançar ou superar a média 6, que é o padrão de aprendizagem dos países desenvolvidos. Em 73% das cidades do país, os alunos tiveram nota média inferior a 5. No Ensino Médio, os resultados são ainda piores. Os três estados com o melhor desempenho - Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - não passaram de 3,5. Outros 16 estados tiveram nota média inferior a 3.
Ao lançar o PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação, o presidente Lula afirmou que seu governo entrará para a história se, com o sucesso do plano, o Brasil ficar "em pé de igualdade com qualquer país do mundo desenvolvido na área de educação". Mas os números mostram que estamos muito distantes dessa realidade.
A meta do MEC é ter, até 2021, os alunos de 1ª a 4ª série com nota média 6. Porém, isso só acontecerá se o Brasil começar a garantir o efetivo direito à educação a todos os brasileiros, adotando uma perspectiva verdadeiramente republicana e inclusiva.
Tenho defendido uma revolução na educação como o único caminho de garantir oportunidades iguais a todos os brasileiros. Uma revolução para dar a mesma chance a cada um, assegurando a todos uma educação de qualidade, para que possam desenvolver seu potencial, seus talentos, suas aptidões.
Com esse objetivo, sugeri uma série de alterações à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que foram aprovadas pela Comissão de Educação do Senado, e foram enviadas para debate na Câmara dos Deputados. A primeira modificação prevê que a assistência à saúde, já garantida no ensino fundamental público, inclua o atendimento médico e odontológico de caráter preventivo, e a identificação e correção precoce de problemas que comprometam o aprendizado.
O projeto garante também aos municípios o poder de avaliar os estabelecimentos públicos e privados do seu sistema de ensino, e assegurar a avaliação da educação infantil. Com a responsabilização dos municípios pela avaliação do seu sistema de ensino, a avaliação educacional passa a atingir a totalidade das escolas, e vai colaborar para a definição das prioridades educacionais e para a melhoria da qualidade.
Também tomei a iniciativa de propor que os professores tenham o direito de, a cada sete anos de trabalho, gozar de licença remunerada para seu aperfeiçoamento profissional – a chamada licença sabática, comum entre os docentes do ensino federal superior. A LDB já garantia esse direito, mas não estipulava o tempo de exercício pedagógico para a concessão da licença.
O projeto contém ainda um dispositivo que garante a aplicação anual, pelas universidades, de pelo menos 20% dos recursos vindos de impostos constitucionais. As verbas seriam destinadas prioritariamente à oferta de cursos de graduação e pós-graduação para a formação e o aperfeiçoamento dos profissionais da Educação Básica. Com isso, as universidades terão a oportunidade de contribuir efetivamente com a qualidade da educação básica.
Com essas medidas, será possível dar um passo adiante, e garantir o direito à educação de qualidade para todos os brasileiros.
Porém, mesmo tendo reconhecido a luta, cuja bandeira tenho me esforçado em levar a todos os cantos do país, o debate político nacional ainda não incorporou a educação como tema que mereça a atenção das instituições e das elites políticas.
A democracia brasileira está frágil e ficará mais ainda se os temas essenciais da nacionalidade não forem tratados no Congresso Nacional. As instituições estão no perigoso caminho contrário ao povo. Estão se afastando da realidade e podem deixar de ser necessárias, ou passar a serem consideradas erroneamente desnecessárias. Se o Congresso Nacional não ocupar seu lugar no debate sobre as prioridades nacionais, estaremos sempre sujeitados às emergências, quase sempre artificialmente fabricadas pelo Poder Executivo ou por situações políticas causadas por sucessivos escândalos de corrupção.
Definir a prioridade para a educação significa tratar de um projeto para o Brasil quer tenha a educação como o motor ou o centro do processo político e institucional nacional, que se relacione de forma racional e clara com as demais áreas prioritárias: saúde, reforma agrária, emprego, direitos humanos, meio ambiente, infra-estrutura, segurança, paz.
Significa articular todas as demais prioridades em função de um objetivo social comum. Dar prioridade à educação tem, por isso, o sentido ético de mobilizar mentes e esforços para a construção de um futuro de paz.

Revista de Informação Legislativa Out-Dez/2007 – Ano 44-Nº 176



O texto do Senador Cristovam revela uma perspectiva embasada em um largo conhecimento sobre o assunto movido por um intelecto respeitável e a paixão pelo tema. Portanto, entendo que são pertinentes as considerações, e passíveis de disseminação. Esta visão, que julgo acertada, aponta a Educação como a verdadeira arma para se combater a violência e conseqüentemente outros males que assolam a sociedade brasileira.
Vejo a necessidade de todos estarmos convictos que a desigualdade social e a falta de escolaridade causam a violência, que é um mal preocupante por banalizar a vida. E partindo desta convicção podemos e devemos interferir, a fim de agir e cobrar mais responsabilidade e concretude no trato com este tema tão relevante, que é a Educação, ação esta que pode mudar a trajetória de um povo.

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